Saida dos pontos de ônibus de Maceió Equitânia da Silva é exemplo de superação no empreendedorismo no ramo da moda africana
Paulo Canuto
Em 1963 no mundo aconteciam fatos como a morte de Kennedy, fundação da Lamborghini, jogos panamericanos de São Paulo, nascimento de Whitney Houston entre outros, mas uma data que nem é tão mencionada em grandes tablóides é o dia 25 de maio de 1963, nesta data, lideres de 30 países africanos, de 32, assinaram a criação da Organização de Unidade Africana (OUA), na Etiópia, com o objetivo de defender e emancipar o continente africano.
Já nessa data passou a se comemorar o “Dia da África”, apesar da data se tornar “oficial” em 1972 pela Organização das Nações Unidas, ONU, sendo o Dia da África ou Dia de Libertação da África. De lá para cá, são 51 anos em que o povo africano em todas as partes do mundo, comemoram a vitória na luta pela independência do continente, contra a colonização europeia e contra o regime do Apartheid, assim como simboliza o desejo de um continente mais unido, organizado, desenvolvido e livre.
No Brasil não é diferente, no Nordeste ou em Alagoas também não e sobretudo em Maceió, cidade essa que concentra a maior população africana do estado, sendo que o Brasil é o país fora da África com a maior população de africanos, do mundo. Por aqui os africanos estão inseridos em diversos setores da sociedade alagoana, seja na universidade, com grande concentração na Universidade Federal de Alagoas, Ufal, ou em empreendendo, aquecendo e movimentando a economia.
Falando em empreendedorismo, é nesse ponto que uma preta, de Guiné-Bissau, país irmão de língua do brasil, é destaque no ramo moda e beleza afro, Equitania da Silva, do Estudio Afro Guiné-Bissau, empreendimento que contava apenas com um salão de beleza, mas em 2023 cresceu, sendo agora o primeira e única loja de roupas e acessórios genuinamente africana.
“Eu digo que sou uma privilegiada, desde a minha chegada eu fui muito bem recebida aqui em Maceió, a cidade me acolheu e o Dia da África é uma data muito importante e especial para nós africanos, porque é quando o mundo ouve a nossa voz, foi através dessa data que muitas pessoas ficaram sabendo que a África é um continente e não um país, que possui 55 países com suas culturas e tradições próprias, diversas linguagens, tem países que falam inglês, português, o criolo, que é um dialeto nosso; assim como o wolof, do Senegal”, conta Equitania.
Equitânia da Silva - A empreendedora
Nascida em Bissau, capital de Guiné Bissau, Equitânia da Silva iniciou sua jornada no Brasil não por Alagoas, com 16 anos de idade desembarcou por terras tupiniquins para estudar, formou-se em turismo e até atuou na área, na cidade de Florianópolis, mas sem muito sucesso. Há mais de uma década, Silva fixou morada em Maceió, e sem contatos para enveredar por sua profissão de formação, resolveu usar uma herança ancestral para sobreviver, as tranças.
De ponto em ponto de ônibus, a própria Equitânia ia distribuindo panfletos oferecendo seus serviços. Era em casa que ela atendia seus clientes, mas tanto sua casa ficou pequena para a demanda, como por uma questão de segurança, apesar de relutante, estava ficando cada vez mais evidente de que ela precisava de um espaço para trabalhar.
Logo nos primeiros anos, um fato triste abalou a vida da trancista, seu marido, seu companheiro de batalhas, sofreu um grave problema de saúde que o incapacitava de trabalhar e tudo ficou ainda mais difícil quando nasceu a filha do casal. Mas foram os penteados afro, herança familiar, que garantiram o sustento para sua casa num momento tão complicado para uma estrangeira recém chegada numa cidade diferente.
Hoje a realidade de Equitânia é bem diferente, a mulher que começou com 10 pacotes de de cabelo, hoje é dona de um salão consolidado, o Estudio Afro Guiné-Bissau, localizado no bairro do Jacintinho, é referência em tranças e suas variações, Nagô, entrelace, twister, box braids e tantos outros.
“Pode parecer estranho, mas essa tragédia em minha família foi importante porque foi na dificuldade que encontrei forças para seguir, tudo que passei me fez sair do ‘nada’ e correr atrás e eu não esperava esse sucesso todo, eu não tinha ideia que meu negócio iria tomar esse rumo, mas agora que cheguei aqui eu quero mais, muito mais”, explica a afroempreendedora.
Equitânia acredita que seu diferencial é que todo seu trabalho é carregado de história, é totalmente ligado às raízes ancestrais africanas, das quais o Brasil tem uma elo direto, por exemplo a cultura de trançar as mulheres, é ensinado em casa, é algo comum, mas muito importante para os bissau-guineense. O Estudio Afro Guiné-Bissau emprega tanto meninas africanas quanto brasileiras, que apesar dessa mistura de povos consegue manter intacta a cultura de trançar, até porque Equitania também trança e verifica de perto o trabalho das meninas.
Provando que no continente africano tudo tem um significado, quando falamos em cabelo, por exemplo, se uma mulher africana estiver de cabeça raspada, isso indica que ela está de luto por um ente muito querido, “Quando a gente perde alguém querido, pai, mãe ou irmã, você raspa cabeça em sinal de luto, mas quando o cabelo começa a crescer sempre aparece alguém que vai querer fazer seu cabelo para levantar sua autoestima”, explica.
Como se não bastasse o trabalho no salão e agora também a loja de roupas, Equitânia também divide seu tempo para participar de palestras, tanto sobre o continente africano e como é a vida aqui no Brasil, mas também sobre afroempreededorismo e o seu ramo de trabalho.
Para o povo africano, o dia 25 de maio é uma data muito aguardada e comemorada com muita alegria e festa. “É uma momento muito importante e especial para nós, porque é quando podemos nos sentir um pouco mais perto de casa, nos reunimos, ouvimos e dançamos músicas típicas, as comidas e bebidas de nossa terra, é uma alegria sem tamanho, nós sentimos o abraço da ‘Mãe África”, finaliza Silva.